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Expresso Terror

     Mais uma jornada de trabalho chega ao final. Após um dia agitado e estressante, funcionários de uma Empresa Alimentícia aguardam a chegada do transporte coletivo.


     No rádio pôde ser ouvido que a véspera de feriado tinha o maior trânsito dos últimos anos. O engarrafamento na Marginal do Rio Tiête em São Paulo alcançava quase quinze quilômetros.


     Após longa espera do ônibus fretado da empresa e uma fila de quarenta pessoas afoitas e sem paciência, encosta no ponto localizado na portaria da Empresa o transporte aguardado.


     Todos os funcionários em fila indiana adentram ao veiculo. Ainda teriam uma hora de viagem até chegar ao ponto final do fretado, isso em condições normais de transito, mas não naquela noite atípica.


     Uma noite fria e chuvosa se iniciava. Pessoas com fone de ouvido e olhos fechados. Outros dormindo e alguns até roncando. Muito poucos colocavam a conversa em dia, pois a grande maioria dos passageiros dormia.


     O ônibus encosta e desce alguns funcionários. O transito persiste, o fretado volta para a pista e segue seu caminho no maior engarrafamento do ano.


     Próximo ponto no caminho, o ônibus breca e o senhor José levanta em direção a saída. Um barulho pôde ser ouvido na cabine do ônibus.


     Um som como se fosse uma discussão. De supetão dois indivíduos adentram no veiculo empurrando o senhor José novamente para o assento de traz do automotor.

- Todos quietos. Isso é um assalto!

     Nesse momento, um pavor tomou conta dos passageiros que encontravam-se acordados. Um dos ladrões entrou e começou a causar pânico.

- Vamos lá pessoal, quero as carteiras e os celulares.

     Fazendo fila foi recolhendo todos os pertences das pessoas e colocando dentro de uma sacola plástica.
     Chegando ao meio da fila de assentos deu de cara com dona Maria. A face de uma velha de pele rachada pelo sol e olhos vesgos assustou o rapaz.

- Vai tia. Vai passando o dinheiro. O moleque foi aterrorizando a idosa apontando a arma.

     Dona Maria trabalhava na limpeza da empresa. Uma senhora humilde e idade avançada. Carregava na carteira somente seu R.G e o bilhete único de transporte.

- Meu filho, não tem nada não. – A coitada falou com sua simplicidade.
- Vai logo véia, me passa a bolsa.

     O pivete puxou a bolsa da senhora com tamanha estupidez que deixou cair o celular que estava dentro.

- Olha ai véia, falou que não tinha nada. O que é isso então?
- Por favor, não leve o celulá, é o único jeito que tenho pra falar com minha fia do Norte.
- Que se foda sua véia safada. Vou ficar com essa merda.
- Por favor, meu fio não faça isso não. Não tenho como compra outro. – Implorava a senhora.

     O moleque sem dar atenção a suplica da pobre anciã continuou fazendo a limpa no restante dos funcionários enquanto o outro individuo mantinha a arma apontada para o motorista.

- Vai logo mano. Tá demorando muito. – Falava o pivete na frente do veiculo.

     O individuo que fazia o rapa no pessoal voltou para frente do veiculo e saiu em disparada.
     Quando passou pela senhora de roupas simples e chinelo de dedo somente pode ouvir a frase.

- Com a mão que roubou meu celulá, você não vai rouba mais nada.

     Os dois assaltantes saíram correndo do ônibus sem olhar para traz, subiram uma escadaria que levava á uma rua próxima da favela.

- Sai daqui. Sai daqui. – Passageiros gritavam dentro do coletivo.

     O motorista em estado de choque demorou alguns segundos até conseguir engatar a marcha e sair do local.
Mulheres chorando. Outros reclamando.

- Todos meus contatos estavam no celular.
- Levaram meus documentos, isso vai me dar dor de cabeça.

     Enfim, após mais meia hora percorrendo o trajeto corriqueiro, o ônibus encosta no ponto final e todos os passageiros já mais tranqüilos, descem agradecendo a Deus por terem chego são e salvos.

     Dona Maria correu para a base da policia militar que se localizava a duas quadras do ponto.
     Entrou na base e foi logo falando com uma moça de uniforme que estava no balcão.

- Minha fia. Acabaram de assarta o ônibus e preciso que vocês peguem os ladrões.
- Calma minha senhora. O que foi que aconteceu?

     A policial feminina encarou a pobre senhora com desconfiança. As roupas surradas e a sandália Havaiana nos pés não davam credibilidade a velha.

- Dois moleques entraram no ônibus e rorbaram os funcionários da empresa.
- Tudo bem, mas preciso que a senhora me informe alguns dados. – Respondeu a policial.
- Qual o localidade da infração?
- Que horas aconteceu o delito?
- Tem mais alguma testemunha do assalto?
- O que furtaram da senhora?

     A velha estrábica com sua pouca instrução ficou sem conseguir responder as perguntas e ficou olhando para a moça.

- Não sei tudo o que ocê perguntou. Só preciso pegá meu celulá de vorta.
- Minha senhora, caso não me responda as perguntas não tenho como elaborar um B.O. Conseqüentemente não teremos como encaminhar uma diligencia á procura de seus pertences.
- Só preciso que pegue meu celulá de volta. – responde a idosa.
- Faça o seguinte. Peça para algum colaborador da empresa que acompanhe a senhora até a delegacia mais próxima da ocorrência e solicite para que elaborem um B.O.

     A velha desolada por não conseguir ajuda, vira as costas e sai pela porta encarando a noite gélida.

                                                                                                   *****

     Em um pequeno barraco localizado no meio da Favela, os dois moleques que fizeram o assalto contavam as notas de real que conseguiram com a investida no fretado.

- Olha ai mano, cada dia tá ficando meihó. Hoje conseguimos cento e cinqüenta pila.
- Beleza, peguei deíz celular, dá pra gente tomar umas branquinha e comprá umas pedra.
- Nossa mano, vou ficá doidão.
- Meu, faz o seguinte, me bateu um sono. Enquanto você vai buscá as pedra, vou deitá o cabelo (tirar um cochilo), beleza?
- Beleza mano, daqui a pouco tô de volta e trago as pedra e umas breja.
- Falou, vai nessa então irmão.

     Enquanto um dos meliantes saiu do barraco para buscar crack e cerveja, o outro que fez a limpeza nos passageiros do ônibus deita em um colchonete num canto do barraco.
As horas passam........

- TUMM, TUMM, TUMM.  Alguém bate na porta do barraco.
- O loko, deixa eu entrar.

     O pivete que estava deitado se levanta e vai em direção a porta cambaleando. A impressão que dava era de estar drogado ou muito bêbado, mas o mesmo não estava sobre efeito de nenhuma das drogas. Sua cabeça girava e uma ânsia de vomito acometia seu corpo.


     Com muito esforço conseguiu chegar na porta e encostar a mão para virar a maçaneta. Uma sensação de desespero, pânico e dor tomou conta do moleque e um grito estridente pode ser ouvido até a entrada da Favela.


     Ao olhar a mão que tentava virar a maçaneta, se deparou com a pior imagem possível. Uma imagem cadavérica e putreficada. A mão direita estava sem pele e sem carne, somente os ossos e alguns tendões podiam ser vistos.


     Nesse momento, em sua mente ecoaram as palavras da velha senhora do ônibus.

- “Com a mão que roubou meu celular, você não vai roubar mais nada”.

 

 

Flávio Brabo

© 2013 by Flávio Brabo
 

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